terça-feira, 12 de abril de 2011

CLASSE C QUER TURISMO INTERNACIONAL



Após viajar pelo país, brasileiros da nova classe média planejam ir para o exterior nos próximos meses, indica pesquisa




Metade dos brasileiros que planejam uma viagem internacional nos próximos 12 meses pertence à nova classe média brasileira. São quase 3 milhões de pessoas com 16 anos ou mais. Com o aumento do emprego com carteira assinada e mais acesso ao crédito, as famílias com renda entre 3 e 10 salários mínimos (classe C) já fizeram a primeira viagem de avião no Brasil e agora planejam sair do país. Os dados foram projetados pelo Instituto Data Popular, especializado em baixa renda, a partir de pesquisa com 5.000 pessoas de todo o país no primeiro bimestre. Desse total, 4% planejam uma viagem internacional. Entre os que têm intenção de viajar ao exterior, 52% pertencem à classe C, 37% às classes A e B (renda familiar superior a dez salários mínimos) e 11% às classes D e E (menos de três mínimos). "Com o real valorizado em relação às demais moedas, em muitos casos os destinos no exterior são mais econômicos que os do Brasil. O viajante emergente não é ignorante. Ele está muito bem informado sobre o mercado de turismo", diz Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Ao menos 5 milhões de brasileiros (de todas as faixas de renda) viajaram ao exterior em 2010, segundo levantamento da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens). Deles, 1 milhão foram para a Argentina. Buenos Aires, Miami e Nova York são os destinos mais procurados pela nova classe média na CVC Turismo. "Embarcamos 330 brasileiros por dia para a Argentina, 250 para a Flórida e 130 para NY", diz Valter Patriani, presidente da CVC. Além de pacotes em até dez vezes, a facilidade de entrar no país vizinho com somente RG e o "portunhol" contribuem para que os turistas emergentes prefiram Buenos Aires como primeiro destino internacional. "Quando o viajante não fala o idioma do país que pretende conhecer, ele opta por pacotes com guia turístico, que age como tradutor e intérprete do idioma", diz. Dos 2,5 milhões de passageiros que viajaram para mais de cem destinos turísticos no Brasil e no mundo com a operadora em 2010, mais da metade é de consumidores emergentes. Para Leonel Rossi, diretor da área internacional da Abav, a viagem para fora também é um fator de status para a classe C. O perfil de pacote mais comum é o de poucos dias de viagem, com preços menores e com flexibilidade de pagamento. Entre 2002 e 2010, os gastos com viagens aumentaram 82%, segundo o Data Popular. "A classe C gastou três vezes mais do que a média. Foram R$ 13 bilhões em 2010", diz Meirelles.


CONSUMIDOR EMERGENTE DESCOBRE CRUZEIROS


A democratização do turismo chegou também ao mercado de cruzeiros. De cada 10 brasileiros que fizeram cruzeiros nos últimos três anos, 4 são da classe C e 4 das classes A e B. A possibilidade de levar a família toda, com alimentação e lazer incluídos no pacote, faz com que os consumidores emergentes optem pelas viagens de navio, afirma Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular. Na temporada atual, o número de viajantes deve crescer 23%, segundo a Abremar (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos). André Pousada, vice-presidente da Abremar, lembra que, de acordo com o objetivo da viagem, o passageiro pode escolher acomodações mais generosas e bem localizadas ou mais em conta. Para Eduardo Halpern, da ESPM-RJ, a chegada da classe C está tornando o setor de cruzeiros e de viagens ao exterior um mercado de massas. "Ninguém tem ainda dimensão do tamanho que pode alcançar. Quem oferecer mais infraestrutura de apoio, como guias em português e outros benefícios, tem mais chance de se destacar." Na temporada iniciada em novembro de 2010 e encerrada em 2011, a CVC embarcou 200 mil pessoas em cinco navios fretados. "O crescimento foi de 16% em relação à temporada anterior", diz Valter Patriani, presidente da operadora.


"ANTES A OPÇÃO ERA ÔNIBUS", AFIRMA TURISTA


Após planejar a viagem por vários meses, o publicitário Marcio Alves, 25, e o autônomo Thiago Guimarães, 27, decidiram fazer as malas para Paris e Londres. "É a minha primeira viagem internacional. Procurei pacotes em operadoras, mas eram mais caros. Após encontrar promoções de passagens aéreas e pesquisar muito preços de albergues, decidi com meu amigo ir por conta própria", diz Guimarães, que, assim como o amigo, mora em São José do Rio Preto. Foram R$ 1.300 de economia, que serão usados em estadia, lazer e alimentação. "A passagem custava R$ 3.000 pela operadora e consegui, pesquisando em sites, por R$ 1.700, parcelada em cinco vezes", diz Guimarães, cuja renda familiar é de R$ 3.000 a R$ 4.000. "Viajar está mais acessível. Antes as pessoas tinham como opção viajar de ônibus dentro do Brasil. Agora, com a vinda de mais companhias aéreas para o interior, já é possível viajar mais de avião", diz Alves. Para 2012, os dois amigos já têm planos: conhecer a Itália.


ANÁLISE


CONSUMIDORES ESTREANTES PARTEM PARA NOVOS RUMOS


por Andréa Nakane


A pujança de consumo da classe C brasileira tem fortalecido a economia de bens e serviços. O setor de turismo e hospitalidade demonstra grande atratividade para esses novos consumidores. As viagens tornaram-se realidade com facilidades de pagamentos e novas ofertas de roteiros. Segundo dados do Banco Central e da Embratur, 2010 registrou a entrada recorde de dólares por meio dos gastos de turistas estrangeiros: US$ 5,9 bilhões em divisas. Em compensação, os brasileiros deixaram no exterior impressionantes US$ 16,4 bilhões, gerando um deficit histórico na conta de turismo, de US$ 10,5 bilhões. No ano anterior, os turistas haviam deixado US$ 5,3 bilhões no Brasil e os brasileiros gastaram US$ 10,9 bilhões lá fora. Ou seja, enquanto o primeiro índice cresceu cerca de 12%, o segundo aumentou 50%. Os voos lotados para o exterior confirmam os números e demonstram que 2011 irá na mesma esteira. Mesmo com a previsão de um maior número de turistas estrangeiros, a emissão de turistas brasileiros ao exterior será muito acima dos prognósticos. Esse movimento começou no final da década de 90 com uma declarada guerra tarifária das companhias aéreas e com a entrada de empresas com diretrizes "low cost". O movimento ganhou força com a economia crescente, com a lei da cabotagem permitindo o turismo marítimo e a entrada dos cruzeiros pela costa brasileira e com pacotes acessíveis não só em baixa temporada. Todo esse panorama resulta agora em um amadurecimento desse novo turista, que com a queda acentuada do dólar parte para novos rumos, mais distantes. Há ainda muito glamour na realização de viagens internacionais, fato que colabora ainda mais com a atual realidade impulsionadora do turismo emissivo. Para atingir o atual patamar, foi necessária a criação de identidades e hábitos obtidos com o turismo doméstico. Por isso, o turismo doméstico deve ficar atento para continuar ofertando roteiros diferenciados, para concorrer com esse momento do turismo internacional, com valores competitivos. Hoje, por incrível que possa parecer, conseguem-se pacotes com custos inferiores para uma viagem à Argentina ou a Punta Cana do que para Noronha ou para a floresta amazônica. O grande desafio para o "trade" turístico é tornar tão acessível o turismo doméstico quanto é o internacional.


Andréa Nakane é coordenadora do curso de turismo da Universidade Anhembi Morumbi.


(Fonte : Jornal Folha de S. Paulo / imagem divulgação)

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